Page:AKC 1670 01 23 560-082.pdf/1

From GATE
This page has not been proofread


# P. Athanasio Kircher
P. X.

No cabo de Septẻmbro do Anno passado chegou a India a Nao do Reyno chamada
Nossa Senhora da Ajuda, e com essa recebỳ hũa carta de V.R., qe me foy sobre modo
cara pollas lembranças qe sendo ainda muyto presentes do meu Padre Athanasio. Lỳ
tudo, e vỳ por vezes o qé V. R. mẻ pede, e jà hia fazẻndoo. porem possolhe dizer com
verdade, qe parte d’aquellas cousas hey de aguardar pello anno siguintẻ pollas razões
qe V.R, entendẻrà no decurso da Carta. A conta da minha viagem do Mar, hé
a qe segue, e posto qe hey de uzar de varias palavras de Nautica, sey qe naõ no ha
se estranhar, quem he mestre dos mestres, e tem recopilado no sẻu engenho toda
a redondeza d’ este orbẻ. Vamos ao ponto, e comecemos a historia.

Aos 22. de Abril ẻm dia de Domingo polla manhãa levantamos anchora, e salimos da da barra de Lixboa, dando nossa salva âs fortalezas, e paço d’ElRey com vintoyto ti= ros, e rẻcebendoa juntam.te da artelharia dos fortẻs. levava a Nao gente assim de mar, como de guerra, officiays, e Capitaõs muyto bons. assim como se comecou a sintir o cheyro do mar e a nao a dar seus balancinhos ẻnjoaraõ todos de modo, e com tal fastio de stomago, qe quasi se botavaõ fora as tripas, e tudo estava fẻyto hum hospital; e mays, quando nos mettemonos em val das eguas, aondẻ os mares por muyto brandos saõ terribilissimos. Acabado de pagar esse fatal inbuto commũ a todos, em poucos dias descubri= mos a Ilha Salvágem, e d’ahi a hũ nadas avistamos as Canarias. aqui se afastavaõ de nos com sua salva outras cinco caos, qe vinhaõ em nossa Comp.a, e hũas foraõ pello caminho de Cabo Verde, outras pera o Brasil, e ficamos sôs com a Comp.a dos Anjos, com Ceo pera cima, e agoas p.a bayxo. Passado o Tropico do Cancro tivemos algúns dias de calmaria, e d’ahi nos puzemos em quatro graos da linha pera a banda do Norte, aonde tivemos 28. dias de calmaria insofrivel, poys o Sol jà direyto âs nossas cabeças nos abrasava a todo, como se estiveramos em hũ forno bem quente. aqui hũa cousa sô nos espantou, a saber hũas trombas de agoa ( tromba de Agoa chamasse hũa nuvẻm grande, qe lança de sy hũa grande tromba, ou como Proboscide de Elefante atè o mar. por dentro d’ essa tromba hay grandissimos ventos, qe com força alevantaõ na nuvem grande copia de agoa e em chegando a qualquer Nao, o menos he levalhe pelos ares as velas, e vergas, ou tiràlhe os mastros, se ella for d’ alto bordo; e se pequẻyna, levaa com sigo, e finalmente botaa a arrebentar no mesmo mar.) jà era meya noyte, e duas se vinhaõ chegando a nossa nao a tiro de mosquetẻ, e viasẻ da todos os redemoynhos, qe fazia nas agoas. acodimos a poppa todos os Padres, fizeraõse muytas oraçoẽs da toda a gentẻ, rezamolhe o Evangelho dẻ S. Joaõ In Principio, e com pouco vento, qe logo espertou, desvanẻcẻo aquelle mostro, e annuncio de mortẻ. Começaraõ logo a assoprar os ventos Gerays, e aos [4? 9?]. de Junho com grande festa, e galhofa, com tiros & passamola linha, e de noyte o bayxo da vigia,


---page break---

# <span class="abbreviation" style="text-decoration: underline dotted" title="Padre">P.</span> Athanasio Kircher'"`UNIQ--lb-0000000E-QINU`"' P. X.

No cabo de Septẻmbro do Anno passado chegou a India a Nao do Reyno chamada
Nossa Senhora da Ajuda, e com essa recebỳ hũa carta de V.R., qe me foy sobre modo
cara pollas lembranças qe sendo ainda muyto presentes do meu Padre Athanasio. Lỳ
tudo, e vỳ por vezes o qé V. R. mẻ pede, e jà hia fazẻndoo. porem possolhe dizer com
verdade, qe parte d’aquellas cousas hey de aguardar pello anno siguintẻ pollas razões
qe V.R, entendẻrà no decurso da Carta. A conta da minha viagem do Mar, hé
a qe segue, e posto qe hey de uzar de varias palavras de Nautica, sey qe naõ no ha
se estranhar, quem he mestre dos mestres, e tem recopilado no sẻu engenho toda
a redondeza d’ este orbẻ. Vamos ao ponto, e comecemos a historia.

Aos 22. de Abril ẻm dia de Domingo polla manhãa levantamos anchora, e salimos da da barra de Lixboa, dando nossa salva âs fortalezas, e paço d’ElRey com vintoyto ti= ros, e rẻcebendoa juntam.te da artelharia dos fortẻs. levava a Nao gente assim de mar, como de guerra, officiays, e Capitaõs muyto bons. assim como se comecou a sintir o cheyro do mar e a nao a dar seus balancinhos ẻnjoaraõ todos de modo, e com tal fastio de stomago, qe quasi se botavaõ fora as tripas, e tudo estava fẻyto hum hospital; e mays, quando nos mettemonos em val das eguas, aondẻ os mares por muyto brandos saõ terribilissimos. Acabado de pagar esse fatal inbuto commũ a todos, em poucos dias descubri= mos a Ilha Salvágem, e d’ahi a hũ nadas avistamos as Canarias. aqui se afastavaõ de nos com sua salva outras cinco caos, qe vinhaõ em nossa Comp.a, e hũas foraõ pello caminho de Cabo Verde, outras pera o Brasil, e ficamos sôs com a Comp.a dos Anjos, com Ceo pera cima, e agoas p.a bayxo. Passado o Tropico do Cancro tivemos algúns dias de calmaria, e d’ahi nos puzemos em quatro graos da linha pera a banda do Norte, aonde tivemos 28. dias de calmaria insofrivel, poys o Sol jà direyto âs nossas cabeças nos abrasava a todo, como se estiveramos em hũ forno bem quente. aqui hũa cousa sô nos espantou, a saber hũas trombas de agoa ( tromba de Agoa chamasse hũa nuvẻm grande, qe lança de sy hũa grande tromba, ou como Proboscide de Elefante atè o mar. por dentro d’ essa tromba hay grandissimos ventos, qe com força alevantaõ na nuvem grande copia de agoa e em chegando a qualquer Nao, o menos he levalhe pelos ares as velas, e vergas, ou tiràlhe os mastros, se ella for d’ alto bordo; e se pequẻyna, levaa com sigo, e finalmente botaa a arrebentar no mesmo mar.) jà era meya noyte, e duas se vinhaõ chegando a nossa nao a tiro de mosquetẻ, e viasẻ da todos os redemoynhos, qe fazia nas agoas. acodimos a poppa todos os Padres, fizeraõse muytas oraçoẽs da toda a gentẻ, rezamolhe o Evangelho dẻ S. Joaõ In Principio, e com pouco vento, qe logo espertou, desvanẻcẻo aquelle mostro, e annuncio de mortẻ. Começaraõ logo a assoprar os ventos Gerays, e aos [4? 9?]. de Junho com grande festa, e galhofa, com tiros & passamola linha, e de noyte o bayxo da vigia,