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de todos. O principal he, Baleyas, e peyxe Espada ambos entre sy tam crueys nemigos, qe assim como
se encontraõ, pelejaõ com tal valentia, e desasperaçaõ, qe poẻm medo. a baleya com a mole do
corpo, e com a força do rabo da tays arrebanadas, qe em acertando, facilmente o mata. O outro com
sua espada bẻm grandẻ, qe traz na cabeça, da na Baleya tays pancadas, qe bem de longe ovese o
estrondo, e zunnido das agoas. e era por certo belissima rẻcrẻaçaõ ver todo dia grande quantidade
d’ ellẻs andar âs pancadas. Poys estando nos perto da Ilha, mandamos o batel com soldados a buscar
porto, e Em dous dias deraõ na povoaçaõ principal, aonde assistia hũ filho d’ ElRey de Cajem Arabio.
Aqui corremos hũ perigo, e foy, qe de noyte com a força da Marè, e das correntes fomos levados em hũa
Enceada d’a Ilha taõ perto de terra, qe polla meya Noytẻ jà estava a Nao pera dar nos penedos, naõ
mays longe, qe tiro de mosquẻte. ouve muyta bulha em todos, e medo, porqe naõ podiamos d’ ahi
salir, naõ tẻndo vento. Desparouse a artelheria pera chamar o batel em soccorro, mas porqe hia jà
muyto longe, naõ se ouviaõ os tiros. porem foy D. servido de mandar logo un ve hũ vento ligẻyro,
com qe pudemos virar a Nao, e fazẻrnos na volta do Mar. D’ ahi à quatro dias tornou o batel
com boas novas, e com hũ pilouto da terra, qe em breve nos levou ao porto, e demos fundo hũa legoa
longe da terra aos 9. de Novembro, fazendo salva rẻal a cidade. Desembarcaaraõ os doentẻs em
numero de cento, e catorze; muytos morreraõ, e outros sararaõ depressa. Os Padres todos alugamos
hũa Casa pequẻyna d’ hũ Mouro Abexim, com bom dinhẻyro, e todos durmiamos no Chaõ a nossa von=
tade, comendo tamaras, Leyte, e peyxe, e muyta Cabra, e Jallo, qe em Europa nem se nomẻa, sendo
cousas muyto fedolentas. fomos bem rẻcebidos, e com sinays de alegria, e festa, com accompanhamento dẻ
todos os soldados, do Governador Arabio, do filho D’ElREy de Cajem, e geralmente de todos, qe a vista
do nosso Galeaõ com toda a artelheria fora ficavaõ pasmados, sendo como hũa grande fortaleza sobre
o mar. Em quanto aqui estivemos, a nossa casa estava toda cheya de Arabios, e gentẻ da
terra; huns que queriaõ vender; outros cir curiosos de ver algũas cousas, qe traziamos; e outros pera
conversas com nosco muyto amigavelmente. e poys eu sabia algũa cousa de lingoa Arabia come=
cey a fallar dẻ modos qe todos deziaõ qe eu que era Arabio, e naõ no queria confessar, e era nẻcessa=
rio estar ordinariamente com elles as cinco, e seys horas. Muytas cousas me perguntavaõ, e eu a
hũas respondia, outras dẻyxava, por naõ saber pfeytamente a lingoa. Em entrando no nosso cubi=
culo faziaõ suas salutaçoẽs ordinarias com [1], e nos rẻspondiamos [2]
e dito isso com seu dedo indice tocavaõ o nosso, e cadahũ beyjava o seu, assentavaõse de cocaras no
chaõ, e híaõ praticando em quanto, ou chegasse a hora de jentar, ouse puzesse o sol. tratavaõnos com
grande acatamento, e Reverencia, chamandonos por nome [3],qe he entrẻ elles gente muyto ve=
nerada, e de officio sacerdotal, posto seja a mays velhaca, qe hay em todo o mundo. ajudado eu d’este
bocado de lingoa qe sabia, hia por toda a Ilha sô ẻm qualquer tempo de dia, ou de noyte, e em fallando
passava, e todos me buscavaõ por varias curiosidades. achavame as vezes com quinze, ou vinte em
roda; perguntavaõme do sẻu Profẻta Mafoma, de Maria, do Mẻssia, declaravalhe; mas em che=
gando â cõclusaõ, dẻziaõ qe o Messia, e Mafoma eraõ ambos filhos de Deos. Gente verdadeyram.te
rẻproba, e pẻrdida. Dous Arabios tive ẻu meus grandes amigos, qe me ensinavaõ a lingoa, e eu lhes
ensinava a Portugueza, e cada dia estavaõ com migos as 4. e 5. horas, como mansos cordeyrinhos. da=
valhe eu algũas cousas de pouco porte, e elles naõ se deyxavaõ vencer em cortezia, porqe logo me
faziaõ alguma çaguate, e nos foraõ dẻ proveyto em varias cousas. dissẻ o meu nome a todos, e elles
encontrandome, sempre me chamavaõ Casis Elfelif. Em fim passamos todos com boa saude polla
graça de Dẻos. Porem como esta enceada olhe pẻra o Lest, e os ventos Lestes em Dezembro, e Janeyro
sejão tormentosos, foy nẻcessario tomar porto em outra distante 25. legoas, e segura da mẻsma Ill Ilha.

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de todos. O principal é, Baleias, e peixe Espada ambos entre si tão cruéis inimigos, que assim como se encontram, pelejam com tal valentia, e desasperação, que põem medo. A baleia com a mole do corpo, e com a força do rabo dá tais arrebanadas, que em acertando, facilmente o mata. O outro com sua espada bem grande, que traz na cabeça, dá na Baleia tais pancadas, que bem de longe ouve-se o estrondo, e zunido das águas. E era por certo belíssima recreação ver todo dia grande quantidade deles andar às pancadas. Pois estando nós perto da Ilha, mandamos o batel com soldados a buscar porto, e em dois dias deram na povoação principal, aonde assistia um filho d’El Rey de Cajem Arábio. Aqui corremos um perigo, e foi, que de noite com a força da Maré, e das correntes fomos levados em uma Enceada da Ilha tão perto de terra, que pela meia Noite já estava a Nau para dar nos penedos, não mais longe, que tiro de mosquete. Houve muita bulha em todos, e medo, porque não podíamos daí sair, não tendo vento. Disparou-se a artilharia para chamar o batel em socorro, mas porque ia já muito longe, não se ouviam os tiros. Porém foi Deus servido de mandar logo um vento ligeiro, com que pudemos virar a Nau, e fazer-nos na volta do Mar. Daí à quatro dias tornou o batel com boas novas, e com um piloto da terra, que em breve nos levou ao porto, e demos fundo uma légua longe da terra aos 9. de Novembro, fazendo salva real à cidade. Desembarcaram os doentes em número de cento, e catorze; muitos morreram, e outros sararam depressa. Os Padres todos alugamos uma Casa pequena de um Mouro Abexim, com bom dinheiro, e todos dormíamos no Chão à nossa vontade, comendo tâmaras, Leite, e peixe, e muita Cabra, e Jalo, que em Europa nem se nomeia, sendo cousas muito fedorentas. Fomos bem recebidos, e com sinais de alegria, e festa, com accompanhamento de todos os soldados, do Governador Arábio, do filho D’El REy de Cajem, e geralmente de todos, que à vista do nosso Galeão com toda a artilharia fora ficavam pasmados, sendo como uma grande fortaleza sobre o mar. Enquanto aqui estivemos, a nossa casa estava toda cheia de Arábios, e gente da terra; uns que queriam vender; outros curiosos de ver algumas cousas, que trazíamos; e outros para conversas conosco muito amigavelmente. E pois eu sabia alguma cousa de língua Arábia comecei a falar de modos que todos diziam que eu que era Arábio, e não o queria confessar, e era necessário estar ordinariamente com eles as cinco, e seis horas. Muitas cousas me perguntavam, e eu a umas respondia, outras deixava, por não saber perfeitamente a língua. Em entrando no nosso cubículo faziam suas salutações ordinárias com [4], e nós respondíamos [5] e dito isso com seu dedo índice tocavam o nosso, e cada um beijava o seu, assentavam-se de cócaras no chão, e iam praticando enquanto, ou chegasse a hora de jantar, ou se pusesse o sol. Tratavam-nos com grande acatamento, e Reverência, chamando-nos por nome [6],que é entre eles gente muito venerada, e de ofício sacerdotal, posto seja a mais velhaca, que há em todo o mundo. Ajudado eu deste bocado de língua que sabia, ia por toda a Ilha só em qualquer tempo de dia, ou de noite, e em falando passava, e todos me buscavam por várias curiosidades. Achava-me às vezes com quinze, ou vinte em roda; perguntavam-me do seu Profeta Mahoma, de Maria, do Messia, declarava-lhe; mas em chegando à conclusão, diziam que o Messia, e Mahoma eram ambos filhos de Deus. Gente verdadeiramente réproba, e perdida. Dois Arábios tive eu meus grandes amigos, que me ensinavam a língua, e eu lhes ensinava a Portuguesa, e cada dia estavam comigo às 4. e 5. horas, como mansos cordeirinhos. Dava-lhe eu algumas cousas de pouco porte, e eles não se deixavam vencer em cortesia, porque logo me faziam algum saguate, e nos foram de proveito em várias cousas. Disse o meu nome a todos, e eles encontrando-me, sempre me chamavam Casis Elfelif. Enfim passamos todos com boa saúde pela graça de Deus. Porém como esta enceada olhe para o Leste, e os ventos Lestes em Dezembro, e Janeiro sejam tormentosos, foi necessário tomar porto em outra distante 25. léguas, e segura da mesma Ilha.


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  1. Arabic expressions, not transcribed
  2. Arabic expressions, not transcribed
  3. Arabic expression, not transcribed
  4. Arabic expressions, not transcribed
  5. Arabic expressions, not transcribed
  6. Arabic expression, not transcribed