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sem avistálo. d’ ahi fomos buscála costa do Brasil. passamos felicem.te o cabo de S. Agostinho, e os
abrolhos, dẻscubrindo a Ilha da ascẻnçaõ. Logo viramos a proa âs Ilhas de Tristaõ da Cunha,
e antes de là chegarmos, demos em hũs mares at̀ẻ entaõ nunca vistos, qe por dous dias nos botavaõ
como hũa peha pẻllos ares, e qualquer balanço parẻcia o ultimo da nossa vida. Na altura d’essas
Ilhas sẻ levantou hũ vento taõ tormentoso, com ondas taõ bravas, e altas, qe nos cubriaõ, nem dey=
xavaõ descançar de dia, nem de noyte, e foy nẻcessario descavalgar a artelheria, e mettela no poraõ
por segurança. quatro dias andamos d’esse modo com o traquete sô, e esse dobrado, polla força da
tormenta. Nas vesporas do nosso S. P. Ignacio tivemos outra tormenta por proa, e o Santo
pollas oraçoẽs d’ aquelles fieys nas sẻgundas vesporas do seu dia fez albrandar os marẻs, e nos
puzemos no caminho do Cabo de boa esperança. nas Vesporas de S. Lourenço appareceraõ man=
gas de vẻludo, sinal de estarmos no cabo, e d’ ahi a duas horas avistamos tẻrra. dẻmarcouse
o Sol, e achamonos em trinta quatro graos, e dous terços de altura pella banda do Sul, e qe
tinhamos passado o Cabo por 30. Legoas. a tẻrra qe vimos, era o Cabo, qe chamaõ falço. Eys qe
de repente o Ceo turbou nossas allegrias. poys pollas quatro horas dẻpoys do meyo dia escureceo o ar,
accalmou o vento, com Rẻlampagos, trovoẽs, e rayos, perpetuos habitadores d’ esse Cabo. posse toda
a gente em vigia. guarneceraõ se mostros, vergas, e tudo, com grandes, e fortẻs cabos; amarros muyto
Lestẻs com suas cinco anchoras. quando de repẻnte pollas nove horas, sẻndo noyte fechada veyo hũa
refega de vento Sueste pontẻyro, qe d’hũa paneada, e em quanto, como aqui se diz, o Diabo esfrega
hum olho, levou ao mar toda a vela grande, sẻm deyxar nas escoras hũa migalha, ainda qe ella
fosse bem forte e de mays de cem palmos de largura, e d' oytenta de comprimento, e começou hũa
tormenta, qual aqui se costuma, qe faz arrecear a qualquer homem gẻnẻroso, nem póde imaginala
quem namna vio com os proprios olhos. he hũa imagem da morte, hum dia do juizo, nem posso
aqui descrẻvela miudamente. levavamos hũ traquete sô dobrato, e pẻquẻyno pera nã pẻrdermos os
mastros com a força do vento, e fomos correndo por trẻs dias, e noytẻs a Lẻs Loest, e Suest, andando
em hũ dia sô 89. legoas. os mares, e as ondas eraõ tam grandes, qe lẻvavaõ a nao, como hũa
pluma. Dava a Nao tays balanços de bordo a bordo, que punha a ponta das vergas, e todo
o Convez de bayxo da agoa, cuydando nos qe qualquẻr d’aquẻllẻs balanços soria o dẻrradẻyro; e
acontẻcẻo as vezes parar de bayxo da agoa por doys Padrẻ Nossos, e Avẻmarias de modo qe se vi=
nha carrẻgando outra and onda, todos hiamos a pique. estava toda a gẻnte de guerra, e de
mar Em vigia, e nos tambẻm pera acodirmos a tudo. As pipas de vinho, e de agoa anda=
vaõ as voltas pẻllo poraõ com toda a carga; ondẻ sẻ perdẻraõ totalm.te 80. de vinho, e muytas
de agoa; cayxõẻs de tabacco, e outras fazendas, com dano grande dos mẻrcadorẻs. Naõ se podia dur
durmir, nem bẻbẻr, assim pẻllo fastio, como polla bulla, e polla muyta gentẻ principalmentẻ
fidalgos, qe sẻ rẻcolhẻraõ por medo na nossa camera; e o nosso cuydado ẻra, ẻstar bẻm pẻ=
gados em algũa parte, por naõ calirmos, e quẻbrarmos a cabeça. Chegamos a 37. graos de altura,
sẻndo os frios eccessivos, e finalm.te no cabo do tercẻyro dia com vento em poppa, qe era Oest, passa=
mos o cabo, o parcel, e nos pusẻmos no canal da Ilha de S. Lourenço. tivẻmos ahi huns poucos
de dias de calmaria, avistamos aquelles areays de Affrica, e aos 20. de Setembro surgimos
na barra de Moçambique duas Legoas longẻ da fortaleza. tomamos algũ rẻfresco dẻ terra, e lenha
qe jà faltàva dous meses antẻs, e aos treze com optimo vento demos a vela, passamos a linha, e
Chegamos a unze graos e meyo d’ altura pella banda do Norte. ahi demos em hũas correntes terri=

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sem avistá-lo. Daí fomos buscar a costa do Brasil. Passamos felizmente o cabo de Santo Agostinho, e os abrolhos, descubrindo a Ilha da Ascensão. Logo viramos a proa às Ilhas de Tristão da Cunha,e antes de là chegarmos, demos em uns mares até então nunca vistos, que por dois dias nos botavam como uma peha pelos ares, e qualquer balanço parecia o último da nossa vida. Na altura dessas Ilhas se levantou um vento tão tormentoso, com ondas tão bravas, e altas, que nos cubriam, nem deixavam descansar de dia, nem de noite, e foi necessário descavalgar a artilharia, e metê-la no porão por segurança. Quatro dias andamos desse modo com o traquete só, e esse dobrado, pela força da tormenta. Nas vésperas do nosso Santo Padre Ignácio tivemos outra tormenta por proa, e o Santo pelas oraçoẽs daqueles fiéis nas segundas vésperas do seu dia fez abrandar os mares, e nos puzemos no caminho do Cabo de Boa Esperança. Nas Vésperas de São Lourenço apareceram mangas de veludo, sinal de estarmos no cabo, e daí a duas horas avistamos terra. Demarcou-se o Sol, e achamo-nos em trinta e quatro graus, e dois terços de altura pela banda do Sul, e que já tínhamos passado o Cabo por 30. Léguas. A terra que vimos, era o Cabo, que chamam falso. Eis que de repente o Céu turvou nossas alegrias. Pois pelas quatro horas depois do meio dia escureceu o ar, acalmou o vento, com Relâmpagos, trovões, e raios, perpétuos habitadores desse Cabo. Pôs-se toda a gente em vigia. Guarneceram-se mostros, vergas, e tudo, com grandes, e fortes cabos; amarros muito Lestes com suas cinco âncoras. Quando de repente pelas nove horas, sendo noite fechada veio uma refrega de vento Sudeste ponteiro, que de uma paneada, e enquanto, como aqui se diz, o Diabo esfrega um olho, levou ao mar toda a vela grande, sem deixar nas escoras uma migalha, ainda que ela fosse bem forte e de mais de cem palmos de largura, e de oitenta de comprimento, e começou uma tormenta, qual aqui se costuma, que faz arrecear a qualquer homem generoso, nem pode imaginá-la quem não a viu com os próprios olhos. É uma imagem da morte, um dia do juízo, nem posso aqui descrevê-la miudamente. Levávamos um traquete só dobrado, e pequeno para não perdermos os mastros com a força do vento, e fomos correndo por três dias, e noites a Leste Loest, e Sudeste, andando em um dia só 89. léguas. Os mares, e as ondas eram tão grandes, que levavam a nau, como uma pluma. Dava a Nau tais balanços de bordo a bordo, que punha a ponta das vergas, e todo o Convés de baixo da água, cuidando nós que qualquer daqueles balanços seria o derradeiro; e aconteceu às vezes parar de baixo da água por dois Pai-Nossos, e Ave-Marias de modo que se vinha carregando outra onda, todos íamos a pique. Estava toda a gente de guerra, e de mar em vigia, e nós também para acudirmos a tudo. As pipas de vinho, e de água andavam às voltas pelo porão com toda a carga; onde se perderam totalmente 80. de vinho, e muitas de água; caixões de tabaco, e outras fazendas, com dano grande dos mercadores. Não se podia dormir, nem beber, assim pelo fastio, como pela bula, e pela muita gente principalmente fidalgos, que se recolheram por medo na nossa câmera; e o nosso cuidado era, estar bem pegados em alguma parte, por não cairmos, e quebrarmos a cabeça. Chegamos a 37. graus de altura, sendo os frios excessivos, e finalmente no cabo do terceiro dia com vento em popa, que era Oeste, passamos o cabo, o parcel, e nos pusemos no canal da Ilha de São Lourenço. Tivemos aí uns poucos de dias de calmaria, avistamos aqueles areais de África, e aos 20. de Setembro surgimos na barra de Moçambique duas Léguas longe da fortaleza. Tomamos algum refresco de terra, e lenha que já faltava dois meses antes, e aos treze com ótimo vento demos a vela, passamos a linha, e chegamos a onze graus e meio de altura pela banda do Norte. Aí demos em umas correntes terri


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